Jornacitec Botucatu, VI JORNACITEC - Jornada Científica e Tecnológica

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PRINCIPAIS APLICAÇÕES DA RADIOLOGIA FORENSE EM MEDICINA VETERINÁRIA
Michel Campos Vettorato, Jéssica Leite Fogaça, Ana Calorina Trevisan, Sheila Canevese Rahal, Marco Antônio Rodrigues Fernandes

Última alteração: 2017-09-28

Resumo


1 INTRODUÇÃO

A ciência forense é uma área interdisciplinar que envolve física, biologia, química, matemática e várias outras ciências de fronteira, com o objetivo de dar suporte às investigações relativas à justiça civil e criminal (CHEMELLO, 2006).

A medicina legal é uma especialidade concomitantemente médica e jurídica que utiliza conhecimentos técnico-científicos da medicina para o esclarecimento de fatos de interesse da justiça. Dentre tantas especialidades da medicina legal e da ciência forense encontra-se a radiologia forense (ANDRADE, 2016), área que se relaciona com a criminalística, onde o profissional das técnicas radiológicas pode trabalhar no instituto de medicina legal (IML), juntamente com um médico legista. (BROONELL, 2009).

A radiologia forense teve início um ano após a descoberta dos raios-X em 1895 pelo físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen, quando o mesmo identificou a presença de balas de chumbo alojadas na cabeça de uma vítima. Com o avanço tecnológico, hoje existem algumas modalidades dentro da radiologia que contribuem muito para a eficácia na área forense (ANDRADE, 2016).

Segundo Fávero (1991) a autópsia é uma técnica realizada para descobrir a causa de morte dos cadáveres seja por práticas criminosas ou para esclarecer diagnósticos clínicos. Contudo, nos últimos anos, devido ao grande avanço dos métodos de diagnóstico por imagem, a virtópsia vem sendo cada vez mais usada (RODRIGUEZ, 2014; MARQUES, 2015).

Na medicina humana, esta prática tem sido descrita como métodos auxiliares para solução de crimes às vezes inexplicáveis, como por exemplo, acidentes de transito, assassinatos, incidentes ante-mortem e outros achados pós-mortem (SANDERS, 1972; THALI, 2009; CAVALLARI; PICKA; PICKA, 2017). Quanto a medicina veterinária, a radiologia forense já tem descrita brevemente (HENG et al., 2009ab; RIBAS et al., 2017), necessitando de mais detalhamentos teóricos sobre suas principais aplicações. Esta revisão objetivou-se em copilar e demonstrar as principais aplicações da radiologia forense em medicina veterinária por meio da literatura.

 

2 DESENVOLVIMENTO

A necropsia é considerada método padrão para conclusão da causa de mortes, entretanto, existem modalidades de diagnóstico por imagem que permitem incrementar e auxiliar no diagnóstico final. A identificação de corpos em decomposição ou o achado de microfraturas dificilmente são identificados na necropsia, devido a isso, a necropsia virtual, vem sendo cada vez mais utilizada na área da patologia, especialmente na patologia forense (THALI, 2009; GRABHERR et al., 2015; RIBAS et al., 2017).

Apesar de a necropsia convencional ser o padrão ouro para conclusão da causa mortes, as diferentes modalidades de diagnóstico por imagem podem aumentar o diagnóstico final, além disso as imagens podem ser examinadas posteriormente. A identificação de corpos em decomposição ou o achado de microfraturas dificilmente identificadas na necropsia são exemplos das principais indicações para a necropsia virtual (GRABHERR et al., 2015; RIBAS et al., 2017).

A virtópsia consiste na utilização de modernas modalidades de imagem para a realização de necropsias minimamente invasivas realizadas com equipamentos de imagem. Esse estudo é realizado por meio de documentação corporal externa e interna (RIBAS et al., 2017) e uma das vantagens é que não existe a necessidade de dissecar o cadáver para o estudo (RODRIGUEZ, 2014; MARQUES, 2015).

A fotogrametria consiste na metragem de superfícies (de corpos ou objetos) por meio da fotografia e faz parte da virtopsia e o que diferencia e que esta prática identifica partes externas do corpo. Já a documentação interna dos cadáveres se dá pelos métodos de diagnóstico por imagem, como radiografia convencional, ultrassonografia, tomografia computadorizada, angiotomografia e ressonância nuclear magnética (THALI et al., 2003; THALI; DIRNHOFER; VOCK, 2009).

O uso da virtopsia em seres humanos tem sido favorável ao ponto de vista cultural e religioso dos familiares, o que não é tão freqüente em medicina veterinária, pois existem outras justificativas para a utilização dessa modalidade forense em animais, como por exemplo, em mortes causadas por arma de fogo, avaliação de alterações vasculares por angiografia, e até mesmo no auxílio de casos em que a opinião de um segundo especialista é requisitada por envio virtual das imagens (FRANCKENBERG et al., 2014; RIBAS et al., 2017).

A radiografia convencional, por décadas, foi o único método de diagnóstico por imagem utilizada por patologistas, além do baixo custo, oferecem grande auxílio nos casos de traumas em membros e coluna vertebral, em traumas torácicos, em visualizar corpos estranhos metálicos, como projéteis, e também em radiografias odontológicas (MCGRAW et al., 2002).

Em medicina veterinária, a técnica de radiologia forense tem ajudado a perícia principalmente em crimes relacionados à morte inesperada de animais, bem-estar, abuso e violações da lei de conservação, a caça e a maus-tratos (COOPER; COOPER, 2008; CORRADI; LUPPI; PITTIONI, 2014). Franckenberg et al. (2014) descrevem um caso de caça de raposa (Vulpesvulpes) por armas de fogo, o qual, as técnicas de diagnóstico por imagem, tais como, a tomografia computadorizada pós-mortem, a angiografia e a ressonância magnética auxiliaram na investigação do crime.

Munro e Munro (2011) descreveram um caso onde seis texugos foram encontrados mortos em lugares próximos. Tentativas foram feitas para enterrar alguns deles. Observaram-se ao redor dos pescoços dos cadáveres, algumas marcas de ligadura, provavelmente causadas por armadilhas de arame. A radiografia revelou que eles foram disparados na cabeça por uma arma de fogo deixada nas proximidades do crime. Neste caso, a radiografia colaborou a investigação.

Segundo Tong (2014), a radiografia tem auxiliado a distinguir características de fraturas entre lesões acidentais e não acidentais em cães supostamente submetidos a maus-tratos domésticos.

Com relação à tomografia computadorizada, têm sido importante no acréscimo de informações sobre diagnóstico necroscópico, especialmente de pequenas fraturas, lesões por arma de fogo, corpos-estranhos e gás, é uma das razões para escolher essa modalidade de exame nos cadáveres, como também pode auxiliar muito nos diagnósticos de morte por causas naturais. Esse exame apresenta excelentes resultados nos casos de trauma, especialmente craniofaciais ou lesões por trajeto de arma de fogo, em que há perfeita correlação entre tomografia post-mortem e autopsia convencional, sobretudo, devido às reconstruções em 3D, que facilitam a visibilização das fraturas (RIBAS et al. 2017)

Thali et al. (2007) descrevem um caso de caça furtiva na Suíça, onde um lince (Lynxlynx) baleado foi encontrado morto em uma bolsa plástica próximo a um supermercado. O cadáver foi submetido à radiografia convencional e a tomografia computadorizada multislice, sendo que esta produziu resultados superiores em relação à documentação e reconstrução das feridas de balas infligidas.

Lee et al. (2011) descrevem o uso da tomografia computadorizada pós-mortem realizada em canguru vermelho (Macropusrufus) diagnosticado com osteomielite oral. O exame demonstrou a remodelação óssea da mandíbula direita, uma lesão intraóssea do osso temporal direito, necrose muscular em torno da mandíbula direita e a ausência de alguns dentes. Também foram observados gases cardíacos e intra-hepáticos e um intestino distendido devido à acumulação de gás pós-mortem. Todas as lesões identificadas na tomografia computadorizada pós-mortem também foram identificadas na necropsia convencional, exceto os gases cardíacos e intra-hepáticos.

A angiotomografia pós-mortem, é uma técnica que consiste na realização da tomografia computadorizada por injeção de contraste no sistema vascular, sendo atualmente considerado um desafio para a radiologia forense. Isso porque a injeção de contraste em cadáveres requer equipamento especializado, a fim de substituir um sistema vascular pulsátil (ROSS et al., 2014). Existem três tipos de líquidos que podem ser misturados com contrastes iodados na angiotomografia pós-mortem de acordo com a solubilidade. Contudo, o contraste utilizado depende da solubilidade da substância escolhida.  (GRABHERR et al., 2015). Essa prática já tem sido descrita em medicina veterinária (Figura 1) e vem revolucionando cada dia mais os estudos forenses (GRABHERR et al., 2006).

A técnica por ressonância magnética pós-mortem também vem beneficiando os patologistas, especialmente no que se refere a lesões em tecidos moles, como, por exemplo, hemorragias, hematomas subcutâneos, lesões cerebrais e pulmonares devido à alta sensibilidade ao campo magnético. Apesar das imagens por ressonância magnética fornecerem maior resolução para tecidos moles, a tomografia computadorizada é mais rápida e permite o uso de instrumentos metálicos, sendo, portanto, considerada melhor para realização das coletas de fragmentos de órgãos guiadas em cadáveres (AGHAYEV et al., 2007; CHRISTE et al., 2010).

No estudo de Franckenberg et al. (2014) é enfatizado a sensibilidade da ressonância magnética pós-mortem. A imagem na sequência T2 demonstrou ruptura completa da coluna vertebral, mieloma, edemas, hematoma e uma hemorragia extensa dentro da cavidade da ferida do cadáver (Figura 2).

 

Figura 1 - Angiografia em radiografia convencional de um cão morto há três dias (A e B) e angiotomografia com reconstrução tridimensional do mesmo animal (C e D).

 

Fonte: Adaptado de GRABHERR et al., 2006.

 

Figura 2 - Imagem de ressonância magnética pós-morte de uma raposa (A), sequência de pulso em T2 (B) e uma reconstrução multiplanar em uma imagem de tomografia computadorizada pós-morte do mesmo animal (C).

 

Fonte: Adaptado de FRANCKENBERG et al., 2014.

 

De acordo com Ribas et al. (2017) o estudo por imagem ocorre desde o exame radiográfico simples até avaliação por ressonância. Na maior parte dos casos, os equipamentos e a realização de exames de métodos avançados como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética têm alto custo e a maioria dos clínicos veterinários têm dificuldade de acesso, ao contrário do raios-X e do ultrassom, os quais são mais frequentes. Fazer uso de análises radiográficas no pós-mortem pode contribuir para o esclarecimento de várias doenças não identificadas na necropsia convencional, como pequenas fraturas, e melhora na avaliação de complicações pulmonares e retenção de gases em cavidades torácica e abdominal. Quanto à ultrassonografia, aplica-se na realização de biópsia guiada, o qual fornece dados preciosos do material biológico coletado. Assim, o uso de técnicas de imagem, pode colaborar no esclarecimento da causa-mortis. Ainda que a necropsia convencional não possa ser totalmente substituída, associá-la a radiologia, aumenta a precisão diagnóstica e facilita as correlações clínico-patológicas. A combinação das modalidades é uma escolha diagnóstica promissora, entretanto, a compreensão dos seus usos e limitações ainda é uma ciência em crescimento.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se as principais aplicações da radiologia forense em medicina veterinária, entre elas, as técnicas de imagem pós-mortem, radiografia, ultrassonografia, tomografia computadorizada, angiotomografia e a ressonância magnética. Além de realçar a importância dessas práticas no auxílio da necropsia convencional, como também, os avanços do diagnóstico por imagem na ciência forense.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGHAYEV, E. et al. Post-mortem tissue sampling using computed tomography guidance. Forensic science international, v. 166, n. 2, p. 199-203, 2007.

 

ANDRADE, S. A. F. A Atuação do técnico e do tecnólogo em radiologia na área forense.UNILUS Ensino e Pesquisa, v. 13, n. 30, p. 26-31, 2016.

BROONELL. Radiologia Forense. Publicado em: 28/09/2009. Disponível em: <http://broonell.blogspot.com.br/2009/09/radiologia-forense.html>. Acesso em: 5 de Ago. 2017.

 

CAVALLARI, E. F.; PICKA, M. C. M.; PICKA, M. C. M. O uso da tomografia computadorizada e da ressonância magnética na virtópsia. Tekhne e Logos, v. 8, n. 1, p. 93-102, 2017.

CHEMELLO, E. Ciência forense: impressões digitais.Química Virtual, p. 1-11, 2006.

 

COOPER, J. E.; COOPER, M. E. Forensic veterinary medicine: a rapidlyevolving discipline. 2008.

 

CORRADI, A.; LUPPI, A.; PITTIONI, E. Medicina forense veterinaria e lesioni da arma da fuoco: caratteri e diagnosi. 2014. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/237658145> Acesso em: 19 de Agosto de 2017.

 

FÁVERO, F. Medicina Legal: introdução ao estudo da medicina legal, identidade, traumatologia, infortunística, tenatologia. Belo Horizonte: Itatiaia, 1991. 533-535 p.

 

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MARQUES, F. A morte explica a vida, para estudar os mortos e ajudar os vivos. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, v.229, p.14-21, 2015.

 

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RODRIGUEZ, D. A. Robôs e técnicas 3D melhoram as investigações de causas de óbitos — e ajudam a aperfeiçoar o tratamento de quem está vivo. Galileu, [s. L.], mar, 2014. Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/03/tecnologia-apos-morte.html> Acesso em 19 Agosto de 2017.

 

SANDERS, I. et al. A new application of forensic radiology: identification of deceased from a single clavicle. American Journal of Roentgenology, v. 115, n. 3, p. 619-622, 1972.

 

THALI, M. J. et al. Virtopsy, a new imaging horizon in forensic pathology: virtual autopsy by postmortem multislice computed tomography (MSCT) and magnetic resonance imaging (MRI)-a feasibility study. Journal of Forensic Sciences, v. 48, n. 2, p. 386-403, 2003.

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THALI, M.; DIRNHOFER, R.; VOCK, P. The virtopsy approach: 3D optical and radiological scanning and reconstruction in forensic medicine. CRC Press, 2009.

 

TONG, L. J. Fracture characteristics to distinguish between accidental injury and non-accidental injury in dogs. The Veterinary Journal, v. 199, n. 3, p. 392-398, 2014.

 

 

AGRADECIMENTOS

A médica veterinária e pós-doutoranda Laila Massad Ribas pela atenção, no esclarecimento de dúvidas, apoio, sugestões, e também pela disponibilidade durante o desenvolvimento da presente revisão.


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